Sábado, 13 de Novembro de 2010

           Morte:

 Existes numa sala cheia de gente, sentes-te só, desamparado. Olhas em frente. Aguardas pela tua vez. Vais ver a tua mãe moribunda. Não sabes que não te chamam pois já não há ninguém a visitares. Não sabes porque sentes as pernas a tremer. Não sabes porque te sentes tonto. Vês uma senhora de branco, loira, de olhos azuis, a voar na tua direcção. Julgas-te morto a ser levado por um anjo. Olhas mais uma vez. Vem com ar sério. "Estarei a ir para o inferno?", pensas. Não. Até que o anjo fala: "morreu."

E tu dizes: "não, deixe-me morrer só depois de ver a minha mãe, não me leve já para o céu. Deixe-me despedir da minha querida mãezinha." E choras um vale de lágrimas. E perguntas incrédulo: "é você nossa senhora de Fátima? Deixe-me beijar-lhe as mãos. Deixe este pobre coitado, deixe."

            Ao que ela calmamente te responde: "quem morreu foi a sua mãe, você ainda resta vivo. Os meus pêsames. A sua mãe morreu á uma hora atrás com ataque do coração. Antes de falecer disse apenas: «salvem o meu filho perdido»." Respirou e prosseguiu: "venha comigo identificar o corpo, se faz favor." E tu choras um grito e dizes: "oh minha mãe, oh minha mãe. Leva-me, leva-me."

            Perdes-te um pai, uma irmã, e agora a tua mãe. Levaste a tua vida ao sabor das vontades dos outros, fizeste pelos outros aquilo que eles não fariam por ti. Eles morreram na esperança vã de te salvar, de te libertar deles. E tu encostaste-te a outrem. Não amaste ninguém, nunca foste um romântico e interessado nas raparigas. Outrora trocaste olhares com a filha da dona da pensão, mas ela cansou-se e casou com o filho do mecânico. Desde aí só ligas aos desejos dos outros.

            Sabes, eu sei tudo isto porque te acompanho desde sempre. Sou omnipresente. Eu mesma te tentei salvar, mas tu próprio te perdeste, filho de Deus.

            Agora respira. Pois agora, só te levarei quando restares só. Até lá observarei cada passo teu. Pois eu sou a Morte. Sou a vida. Visto jeans e t-shirt, e sorris-me a cada esquina. Sou jovem, madura e tenho corpo. Eu decido o destino das almas perdidas. Em breve conhecerás a tua alma gémea, pois o meu irmão Destino se encarregará de tal, mas ela também te morrerá. Sou a luz. A cor. A agonia. Sou a salvação do teu dia.


sinto-me perdida.
música Natalie Merchant - My Skin

publicado por naná às 12:27 | link do post

De mag. a 13 de Novembro de 2010 às 16:18
existem mais palavras para além de: Uau!!
adoro mesmo estes teus novos textos, adoro,adoro!


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