Tenho um miúdo na natação que só diz: eu sabo, eu sabo, eu sabo. (eu sei, eu sei, eu sei). Tenho outra miúda que foi atropelada aos 3 anos (tem agora 6), tem 6 parafusos numa perna e 4 cicatrizes visíveis e eternas. Tenho dois miúdos primos. Que são filhos de mães irmãs e pais irmãos. O corte de cabelo é igual, os óculos são iguais, até as cuecas são iguais. (quero ver no futuro). Tenho outro miúdo que tem 5 anos mas nem xixi consegue fazer sozinho, que passa a aula sentado no meu colo de um lado para outro com uma expressão séria e só se ri quando falo dos power ranger's ou oliver&benji. Tenho outro miúdo que vem semana sim, semana não. Falta porque vou ao porto apanhar picas, me diz ele, e porquê? Não o sabe nem eu. Vive com a avó, a mãe e o tio. E tem um irmão, que vive com quem? Com o Rui. Ah, e o teu pai? É o rui. Tenho uma outra miúda que chora sempre que lhe dou um berro, e não é um berro é só para chamar à atenção. Tenho outra miúda que me diz sempre: professora olha para mim, olha para mim. E chora se eu não olho. Tenho um outro miúdo que tem a expressão mais séria de que há memória. Nem com cócegas ele dá uma gargalhada. Tenho um outro miúdo que anda na psicóloga. Porque? Porque o meu amigo foi para o céu e eu estou sempre a falar dele, e a minha mãe mandou-me para a psicóloga.
E, eu tenho os nas mãos todas as segundas. Eles apoiam-se em mim e nunca são maldosos. Dão-me beijinhos, são suaves. Obedecem-me, e portam-se bem. São felizes, gostam tanto de brincar! E eu penso. Se já na inocência o mundo lhes cai na mão, ficarão eles como eu um dia? Com uma lâmina em cada gaveta. E uma mala feita no fundo do armário? Se já nem a inocência será uma boa memória para eles? Que levarão eles para o futuro?
E é isto que me tem tirado o sono, é isto que me fez recair no café. Porque eles não são meus filhos. Mas são os meus meninos. São eles que me vêm frágil e rejubilam quando me vêm chegar ao balneário. São eles que me dizem: mas que dentes tão grandes professora. E são eles que dão pequenas gargalhadas quando eu lhes digo que perdi a minha mão. Acham piada à mais inocente das frases. E são felizes. Com tantos problemas, são tão felizes.